20 de junho de 2011

Caim - Contos de Horror

Como dizia Dostoievsky: “O crime é o maior dos horrores humanos”. É nessa mesma sintonia que ofereço o conto Caim, do livro de contos Obscura, escrito pelo novo e engenhoso escritor, Dark Gero. É o tipo de história que guarda surpresas para o leitor de uma forma bem estruturada. No entanto, a leitura não e só interessante, mas reflexiva, pois levanta questões sobre o comportamento humano, como o ciúme, a inveja; além de temas sérios como o estupro e o aborto. Sem deixar o fato de ser muito mais que uma alegoria bíblica, baseada no relato de Gênesis, sobre o desfecho entre os filhos de Adão e Eva. Mesmo o conto lembrando um roteiro de teatro ou cinema, a narrativa tem traços shakespearianos por abordar gêneros da Literatura Universal, como o crime e o drama, sempre tão atuais. É com certeza uma excelente leitura!


     O celular de Luciano tocou. O carro estava em alta velocidade na estrada escura. Era seu pai.
     — Algum sinal dele? — perguntou desesperado.
     — Nada ainda — respondeu.
     — Eu liguei para a polícia, estão a caminho.
     — Tudo bem, vou continuar procurando — disse desligando o celular, de olho na estrada, com um milhão de coisas na cabeça. Tânia estava no banco ao seu lado, rezando para que não acontecesse nenhuma tragédia.

*

     Talvez nada justificasse o que ele estava prestes a fazer, ou, se justificasse, ainda assim seria o mais abominável pecado que já cometera. Nunca fora muito religioso, mas acreditava que se houvesse um Deus ou um paraíso, ele jamais conheceria. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas não deviam. Ele tinha de manter-se frio naquele momento, para que sua consciência não o martirizasse tanto pelo resto de sua vida.
     Era tarde da noite. Lucas estava em seu carro, escondido sob a sombra de uma árvore. Do outro lado da rua, estava a casa de seu irmão Luciano. Estava lá com sua namorada. Ele esperaria pacientemente que ela fosse embora e o deixasse sozinho...
     Seu irmão...
     Nunca odiara tanto alguém na vida. Era três anos mais velho, mais bonito, mais inteligente. Todos o idolatravam, exceto seus pais, que por ele ser o caçula, talvez, sempre o deram mais atenção. Mas o que era a atenção dos pais comparada a do mundo? Lucas, quando criança, era tímido e introvertido, enquanto Luciano fazia amizade com todos, fazia com que todos o amassem. Quando adolescentes, todos os professores de Luciano elogiavam seu excelente desempenho na escola, seus talentos múltiplos para o esporte, música e computação. Sem falar que ele era engraçado. As garotas se derretiam por ele, enquanto Lucas nem mesmo era notado. A única garota que se interessou por ele, era uma novata na escola, chamada Teresa. Era bonita, mas ele não a amava. Namoraram pouco tempo e ele terminou, pois não queria fazê-la sofrer.
     Luciano passou no vestibular na primeira tentativa. Lucas só conseguiu na terceira. Lembrou-se quando seus pais fizeram uma grande festa para comemorar. Não entendia por que não fizeram comemoração nenhuma para Luciano. Seus pais eram o paradoxo de sua vida. Sempre o mimavam, orgulhavam-se, mas eram indiferentes ao seu irmão. Talvez por culpa de ter tido um primogênito tão perfeito e um desastre como segundo filho, ou por pena, simplesmente.
     E por isso os odiava.
     Não queria a compaixão deles, não precisava. Seu irmão abraçara o mundo e ele ficara sempre à sua sombra. Poucos sabiam seu nome; ele era mais conhecido como “o irmão do Luciano”. Não tinha identidade, nunca cresceria. Não com seu irmão ofuscando-o.
     O pior era que Luciano era um bom irmão. Generoso, prestativo, sempre educado, compreensivo. Era mais um motivo para odiá-lo, o fato de não ter motivo algum.
     Até certo dia... depois de conhecer Tânia.
     Já havia se formado em Matemática, era um professor assalariado e Luciano já era a um bom tempo um advogado bem-sucedido. Lucas lecionava em um preparatório para concursos, quando conheceu Tânia. Ela tinha uma beleza rara, indescritível. Era um pouco acanhada, o que deixava seu sorriso inocente altamente sensual. Lucas apaixonou-se no ato. Ela o abordara na saída do preparatório, para tirar uma dúvida qualquer. Ele aproveitou para convidá-la para tomar algo. Não sabia de onde tirara a coragem, e de tão nervoso, transparecia seu interesse por ela. Ela sorria de forma cúmplice, demonstrando seu recíproco encantamento por ele. Conversaram a noite toda em um barzinho; Lucas não tinha dinheiro para um restaurante. Ela ria do jeito com que ele falava, como se conhecessem um ao outro há muito tempo. Era dois anos mais nova que ele, estava se formando em História. Se passasse no concurso público, trancaria o curso universitário. Bendito preparatório, pensou Lucas. Fora o que ligara os dois.
     Conversavam todos os dias após a aula; e um dia Lucas convidou-a para jantar em sua casa. Sabia que ela não iria, mas para sua surpresa, ela aceitou. Ele ainda morava com os pais, a contragosto. Só não comprava uma casa para si, porque o salário não permitia. Luciano morava sozinho em um apartamento, mas ia visitar os pais de vez em quando.
     Aquele dia fora um deles.
     Maldito dia.
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